Com manhas de pau-de-arara, Dilma escancarou a parcialidade da Globo e o amadorismo de Bonner
A entrevista com a presidenta
Dilma Rousseff expôs, com rara contundência, a parcialidade da Globo na
cobertura do governo e do PT. Utilizando manhas de quem passou pelo
pau-de-arara, Dilma pôs abaixo a tentativa da Globo de parecer “isenta”
nesse capítulo das eleições. Isso não é banal, no momento em que a
credibilidade da imprensa hegemônica segue abalada pelo fiasco histórico
da “operação Copa”.
“Maus entrevistadores são incapazes de ouvir respostas e dialogar com o argumento do entrevistado. Não é só amadorismo; é presunção”
A credibilidade do jornalismo da Globo
saiu mais uma vez arranhada pelos esgares de William Bonner e Patrícia
Poeta. As expressões de contrariedade, os dedos em riste e as
interrupções grosseiras falaram mais ao telespectador do que o conteúdo
de perguntas e respostas. Por algum tempo, tudo que se disser no JN
contra Dilma será recebido com suspeita, porque a mensagem mais forte do
programa foi: eles não gostam dela.
Dos 16 minutos cronometrados, Dilma
falou 10 minutos e meio; Bonner, 4 e meio, e Patrícia quase 1 minuto. Dá
65% para ela e 35% para eles. Dilma pronunciou 1.383 palavras, contra
980 da dupla (766 só do Bonner), o que dá 60% x 40%. Isso é escore de
debate, não de entrevista. A dupla encaixou 26 acusações ao governo e ao
PT; algumas, com ponto de exclamação.
Nos quatro blocos temáticos (corrupção,
mensalão, saúde e economia) Bonner lançou no ar 13 pontos de
interrogação, e Patrícia, dois. A presidenta foi interrompida 19 vezes.
Tomou dedo na cara de Bonner e de Patrícia, que reclamou de uma resposta
com um soquinho na mesa. Isso não é comportamento de jornalista. Na
entrevista com Aécio Neves – que muitos acharam “dura”, embora tenha
sido apenas previsível – a dupla fez quatro interrupções e cinco
reiterações de perguntas.
Aprendi ainda foca que o segredo de uma
entrevista ao vivo é dominar o assunto e buscar a pergunta seguinte na
resposta do entrevistado. É uma arte difícil. Patrícia Poeta nunca soube
fazer. Bonner acha que sabe – e que sabe muito. Por isso saiu-se ainda
pior que a colega. Basta discordar do enunciado para desnorteá-los. Não
sabem do que estão falando; seguem o roteiro e fazem cara de argúcia
(com Dilma, usavam ponto eletrônico!).
Maus entrevistadores são incapazes de
ouvir respostas e dialogar com o argumento do entrevistado. Não é só
amadorismo; é presunção. Globais se consideram mais importantes que os
candidatos. Acham-se a própria notícia. Diante da contradita, repetem a
pergunta até se perderem. No limite, apelam para a fórmula binária: “eu
digo isso; sim ou não?” Eduardo Campos saiu-se muito bem dessa briga com
bêbados. Aécio tropeçou e caiu.
Para a Globo, pouco importa expor os
editores chefe e assistente do JN a mais um vexame profissional.
A Globo
não quer ouvir respostas; quer repetir (e tentar sancionar) o próprio
discurso. Bonner deve ter ensaiado em casa o que considerava seu momento
de glória: chamar de corruptos os petistas do mensalão (“Eram
corruptos!”), na cara da presidenta da República. Que audácia, hein,
patrão…
Na primeira pergunta (69 segundos), a
palavra corrupção foi repetida sete vezes; e estamos conversados. Depois
de 12 anos (“mais de uma década, candidata!”) há “filas e filas nos
hospitais”, cidadãos “muitas vezes são atendidos em macas”, “muitas
vezes não conseguem fazer um exame de diagnóstico”. O país tem “inflação
alta, indústrias com estoques elevados, ameaça de desemprego ali na
frente”.
Repetir os mantras do noticiário
negativo – sem de fato abrir a discussão sobre eles – era o primeiro
dever de casa. O segundo era desconcertar a entrevistada, e foi aí que a
bomba explodiu no colo dos entrevistadores. Dilma não abriu mão de
responder as perguntas, retomando o fio da meada a cada interrupção.
Advertida, fez-se de sonsa e continuou respondendo o que quis.
O jogo foi chato na maior parte do
tempo, mas Dilma não entregou a posse de bola, não cedeu o controle da
entrevista. E foram eles, William e Patrícia, que ficaram visivelmente
desconcertados, a ponto de perder o respeito pela entrevistada – que o
merecia, mesmo que não fosse presidenta da República.
Dilma não disse aos interrogadores o que
eles queriam que ela dissesse, exceto ao concordar com Patrícia Poeta
que “a saúde no país não é minimamente razoável”. Um pontinho vencido,
foi tudo que conseguiram arrancar da interrogada. Por isso, o destaque
nos sites da Globo foi o previsível silêncio de Dilma sobre o julgamento
do mensalão – outra evidência de que eles consideram suas perguntas
mais importantes do que as respostas da presidenta da República.
Qualquer analista dirá que a presidenta
desperdiçou a oportunidade de ter sido mais assertiva da propaganda de
seu governo. Quinze minutos no JN são uma grande chance de falar para
milhões de eleitores, mas Dilma preferiu debater com Patrícia Poeta e
William Bonner.
Ela passou informações relevantes: a
inflação de julho ficou próxima de zero; o Mais Médicos atende 50
milhões de pessoas; o SAMU atende 149 milhões. Disse que o país enfrenta
a crise sem demitir, sem arrochar salários e até diminuindo impostos.
Podia ter dito muito mais, mas a disputa foi mais concentrada na forma
que no conteúdo. E foi aí que Dilma venceu.
Dilma sorriu na medida certa e
manteve-se serena durante todo o programa. Impôs-se um comportamento de
presidenta da República, que contrastou, aos olhos dos telespectadores,
com a atitude desrespeitosa e antiprofissional dos entrevistadores.
Mesmo restrita a um cerimonial televisivo, foi uma sinalização relevante
para uma imprensa cada vez mais assanhada no papel de oposição: digam o
que quiserem, mas respeitem a presidenta eleita de todos os
brasileiros.
Ricardo Amaral é jornalista e autor do livro “A Vida quer é Coragem”, sobre a vida de Dilma Rousseff.