Entre os
alvos da ação anulada por cortes superiores, esteve o advogado Cristiano Zanin
Martins, que liderou a defesa do ex-presidente Lula.
Cristiano Zanin Martins e Marcelo
Bretas (Foto: Filipe Araújo | ABr)
Por Tiago Angelo, do Conjur –
A investida contra escritórios de advocacia autorizada em setembro do ano
passado pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, foi
articulada pelo procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da "lava
jato" em Curitiba.
Ao todo,
77 endereços ligados a escritórios, empresas e casas de advogados foram alvo de
buscas e apreensões. A justificativa era a de que as bancas estavam desviando
dinheiro do Sistema S por meio de contratos falsos com a Fecomercio do Rio de
Janeiro.
A
denúncia do MPF fluminense, aceita por Bretas, começou de um modo curioso: uma
mensagem enviada a Dallagnol por Thiago Prado, então jornalista da Veja. A
ConJur já havia noticiado o caso, mas não divulgou o conteúdo da conversa.
"Deltan,
bom dia. Eu tenho um material sobre como o Roberto Teixeira [então responsável
pela defesa do ex-presidente Lula] ficou milionário com o sistema S (dinheiro
federal). Ele ganhou 18 milhões em 1 ano para advogar para a fecomercio do Rio.
O valor (tenho as notas fiscais) é absurdo e não faz sentido diante das ações
em que ele atuou. Interessa?", perguntou o repórter ao procurador em 22 de
março de 2016.
Dallagnol
não respondeu e houve uma nova tentativa por parte do jornalista. Em 13 de
abril de 2016, o procurador responde: "Interessa sim. Se puder falar
comigo e desenvolver um pouco mais o raciocínio por telefone".
Como
Dallagnol atua no Paraná, ele passou a articular o bote contra a advocacia com
o procurador Eduardo El Hage, do MPF fluminense. El Hage, que nas conversas
tratava o chefe da "lava jato" curitibana como "ídolo",
assina a denúncia aceita por Bretas.
O
principal alvo era o advogado Cristiano Zanin Martins, também advogado de Lula.
Após a articulação feita por Dallagnol, a delação de Orlando Diniz,
ex-presidente da Fecomercio no Rio, impulsionou a investigação. O empresário,
que já foi preso duas vezes, tentava negociar um acordo com o MPF desde 2018.
Em troca de ajudar a emparedar profissionais da advocacia, conseguiu manter no
exterior contas com dinheiro de origem ilícita.
"São
muitos escritórios e o que o Zanin recebeu é isso mesmo. Surreal. Roberto
Teixeira também… Mas essas notas que saíram ontem nós não sabemos
procedência/veracidade. Temos uma reunião com o advogado do Orlando Diniz hoje,
marcada há algum tempo", disse El Hage a Dallagnol em 13 de dezembro de
2018, cerca de dois anos antes do cerco contra os escritórios.
Ao
oferecer a denúncia a Bretas no ano passado, o MPF disse que o Teixeira, Zanin,
Martins Advogados recebeu dinheiro da Fecomercio mesmo sem ter prestado
serviços para a federação.
Uma
auditoria independente, no entanto, atestou que a banca trabalhou para a
Fecomercio em centenas de processos. O escritório contratou a MGI SengerWagner
Auditores Independentes para fazer a revisão dos pagamentos feitos pela
federação e dos serviços jurídicos que constam nos sistemas de informática do
escritório no período. A auditoria constatou que 77 advogados contratados pelo
escritório atuaram no caso, com a descrição detalhada de todos os serviços
prestados.
Em nota
enviada à ConJur (leia íntegra no final do texto), o Ministério Público Federal
do Rio de Janeiro negou que o caso envolvendo a Fecomercio tenha nascido a
partir de articulações feitas por Dallagnol.
"As
investigações em relação aos envolvidos na operação Esquema S foram iniciadas a
partir da quebra de sigilo bancário de Adriana Ancelmo após a operação
Calicute, quando foram verificados depósitos da Fecomercio com indícios de
lavagem de dinheiro", diz texto.
Ainda
segundo a manifestação, não houve por parte da franquia do Rio "troca de
informações ou compartilhamento de dados com qualquer outra investigação ou
membros do MPF [...] Pelos trechos apresentados não há nenhum indicativo de que
Deltan tenha contribuído para a investigação, mesmo porque isso não
aconteceu".
Tentáculos
Dallagnol
sempre influenciou as forças-tarefa da "lava-jato" no Rio e em São
Paulo. Novo diálogo ao qual a ConJur teve acesso mostra que o procurador
articulou em 2018 um manifesto pela suspeição do ministro Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal Federal, nos casos envolvendo a "lava jato". El Hage
também participou da conversa.
"Caros
precisamos fazer algo em relação a GM [Gilmar Mendes]. Acho que um bom começo
seria alguém fazer um estudo das decisões deles que mantiveram prisões antes da
Lava Jato e DIRANTE [durante] a LJ em outros casos e mostramos INCOERÊNCIA.
Assinamos todos os procuradores da LJ [...] Das três FTS [forças-tarefa]",
disse Dallagnol, em referências às franquias de Curitiba, Rio e SP.
"Alguém
depois joga online, uma entidade, e faz abaixo assinado pela suspeição dele
noss casos da LJ", prossegue o chefe da "lava jato" em
Curitiba.
El Hage
responde: "Eu acho ótimo! Já tinha pensado nisso também. O problema é a
falta de tempo para a pesquisa. Estamos mega atolados aqui no Rio".
Conversas
recentes já tinham mostrado que a influência da "força-tarefa" em
Curitiba não se restringia ao Paraná. Dallagnol, por exemplo, sabia sobre o
andamento de processos da "lava jato" no Supremo Tribunal Federal, em
Brasília, e informava o ex-juiz Sergio Moro sobre isso. Procuradores de
primeira instância não atuam junto ao Supremo.
Também já
havia sido demonstrado que Dallagnol coordenou outros estados e que os
procuradores em Curitiba davam pitaco até sobre denúncias feitas pelo
Ministério Público de São Paulo.
Escritórios
As
investidas contra os advogados de Lula não são novidade. O ex-juiz Sergio Moro
já havia autorizado a quebra de sigilo telefônico de Teixeira e do ramal do
Teixeira, Zanin, Martins Advogados, ainda que não seja permitido bisbilhotar
conversas entre defesa e cliente. Além disso, o MPF em Curitiba se aventurou a
checar ilegalmente as contas da banca.
Em
fevereiro de 2016, foi vazado ao jornal O Globo, por exemplo, que o escritório
teria recebido honorários da Odebrecht, mesmo sem nunca ter atuado junto à
construtora. O MPF, no entanto, não checou que os honorários eram
sucumbenciais. Ou seja, a banca defendeu um cliente em uma ação contra a
Odebrecht e ganhou os honorários que são devidos ao vencedor da causa.
A
novidade na atuação de Dallagnol, em associação com o Ministério Público
Federal no Rio, diz respeito à quantidade de escritórios considerados inimigos
da "lava jato" que foram arrolados de uma só vez — os 77 mandados
de busca envolveram 26 escritórios de advocacia.
No caso
da banca que defende Lula, o interesse é evidente. Já o interesse no Basílio
Advogados se devia ao fato de os procuradores do Paraná acharem que o
escritório estava ligado ao Sergio Bermudes Advogados, que, por sua vez, tem em
seu quadro a mulher do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal,
alvo recorrente dos mandos e desmandos da "lava jato".
O
interesse em Asfor Rocha, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, também é
velho, e vem desde a época da "castelo de areia", que investigou
supostos crimes financeiros e lavagem de dinheiro cometidos por políticos.
Segundo a fábula criada pelo MPF, o ministro teria trancado a
"operação". Na verdade, Asfor Rocha sequer participou da decisão.
A defesa
de Lula resumiu o caso na última peça enviada ao STF contendo diálogos entre
procuradores do MPF em Curitiba e promete trazer novos elementos sobre a
investida contra os escritórios.
As
conversas, dizem os advogados, "contêm diversas pistas de potencial
conflito de interesse que serão oportunamente elucidadas. Algumas mensagens que
já constam no 8º Relatório Preliminar confirmam esse cenário e indicam um
'caldeirão' de interesses da 'lava jato' nesse ataque à advocacia".
O
processo de Bretas contra os advogados foi suspenso em 3 de outubro do ano
passado pelo ministro Gilmar Mendes. Na ocasião, ele considerou haver indícios
de que ministros do STJ, que têm foro por prerrogativa de função, foram
investigados sem autorização do Supremo. O bote também tem erros de
competência, já que a Fecomercio é uma entidade privada e devia ser investigada
pela Justiça Estadual, além de ter ordenado buscas ilegais na casa de
desembargadores.
Leia a
nota do MPF do Rio de Janeiro na íntegra:
"As
investigações em relação aos envolvidos na operação Esquema S foram iniciadas a
partir da quebra de sigilo bancário de Adriana Ancelmo após a operação
Calicute, quando foram verificados depósitos da Fecomercio com indícios de
lavagem de dinheiro.
A partir
de novas investigações, que contaram com várias testemunhas e outras quebras
bancárias, telemáticas , fiscais e telefônicas, e acordos de colaboração (que
em parte culminaram com a operação Jabuti) , foram descobertos, além de Adriana
Ancelmo, outras pessoas que receberam por supostos serviços advocatícios
valores do SESC e do SENAC Rio com indícios de desvios e lavagem de dinheiro.
Com novas quebras autorizadas judicialmente, compartilhamento judicial de dados
da operação Zelotes (da Justiça Federal do DF), e outras colaborações
premiadas, foram revelados os fatos denunciados na operação Esquema S.
A
denúncia é pública e todos os elementos de prova que a fundamentam foram
obtidos sob absoluta legalidade e de acordo com as normas processuais vigentes,
estando sob o crivo dos acusados. Não houve troca de informações ou
compartilhamento de dados com qualquer outra investigação ou membros do MPF. Os
procuradores da LJ RJ não podem atestar a legalidade e a higidez de diálogos
objeto de hackeamento porque sequer tiveram acesso aos mesmos e a sua
integralidade. De qualquer forma nenhum diálogo, verdadeiro ou falso, infirma
ou coloca em dúvida a legitimidade na atuação dos membros da FT RJ.
Gostaríamos
ainda de acrescentar que não reconhecemos a autenticidade dos diálogos. As
provas são ilícitas. Pelos trechos apresentados não há nenhum indicativo de que
Deltan tenha contribuído para a investigação, mesmo porque isso não aconteceu.
Pelo que foi apresentado houve a autorização do STF para utilizar essas mensagens
para a defesa de um cliente de Zanin, que está usando na defesa de seus
próprios interesses, desvirtuando os fatos."