As sombras do poder circundam o palácio
Gabriela Prioli - Da Folha de São Paulo
Um silêncio sepulcral ecoa no Palácio do
Planalto. As paredes reverberam o som de antigos brados, mas as novas conversas
se tornaram murmúrios. Onde estão os “cala a boca!” ou os “acabou, porra!”?
Para onde foram os discursos inflamados sobre a picape na frente do quartel
general ou os desfiles a cavalo?
Se a
maior epidemia, que já colocou na cova mais de 60 mil brasileiros,
não pôde sensibilizar o nosso governante, agora o desenrolar da história —e um
ministro ou outro do STF— o faz.
Nesse
palácio mal assombrado, os fantasmas que vagam são tipos específicos de
assombração. De um lado: o inquérito das fake news. Por detrás da cortina que tremula: o
inquérito sobre a interferência na PF.
Como se não bastasse, o
amigo e antigo assessor parlamentar, tal qual alma penada, aparece na casa do advogado da família do presidente,
num sítio em Atibaia. Melhor consultar também os astros...
O
presidente Jair Bolsonaro, durante solenidade em Brasília - Lucio Tavora -
23.jun.2020/Xinhua
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Quando
nenhum lugar parece seguro, a velha política oferece o seu refúgio. Embalado
nos braços do centrão, o nosso presidente prorroga o auxílio emergencial —como se nunca
tivesse desejado pagar apenas R$ 200— e, enquanto isso,
procura um programa para chamar de seu.
Haverá
quem diga que a base bolsonarista estridente não sobrevive sem a histeria e que
não existe entusiasta de Paulo Guedes que consiga dormir num país que
socorre os mais pobres, mas existe barquinho alternativo no qual essas pessoas
possam pular?
Enquanto
assistíamos, atônitos, à sequência de absurdos, Bolsonaro levava o seu
cercadinho ao limite da vergonha, de onde voltar é muito mais difícil. Quanto
mais se afunda na lama, maior a dificuldade de sair.
Ao mesmo
tempo, o Bolsonaro “nutella” pode desmobilizar parte dos atores em prol da
Frente Ampla que se anunciava. Como reagirão os “70%”?
Num jogo
de cartas, ganha quem joga com a mão que recebeu, não quem aguarda a mão
perfeita.
Gabriela
Prioli
É mestre
em direito penal pela USP e professora na pós-graduação da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.